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Foto do escritorVinícius Meira

Private Equity: o capitalismo com esteroides


Instituições com CEOs bilionários, mercado que constantemente gera retornos maiores que a bolsa de valores e um fluxo de mais de 1 trilhão de dólares movimentados em 2021. A partir desses fatos, pode-se imaginar que se trata de um mercado novo em ascensão, no entanto, essa forma de investimento é praticada há mais de um século e se denomina Private Equity (PE). O funcionamento do meio é tratado, muitas vezes, como prejudicial, por conta do risco atrelado às estratégias que o envolvem além de um histórico de falência de grandes marcas. Mas, afinal, o Private Equity é realmente o vilão dessa história?


O investimento em empresas de capital privado


Private Equity é definido como a compra de ativos ilíquidos¹ no mercado de capitais, ou seja, a aquisição da participação em empresas privadas, que não estão listadas na bolsa de valores. Entretanto, mesmo com o objetivo de ter ganhos financeiros a partir da compra de participações em companhias, o investimento em empresas de capital aberto e em privadas apresentam diferenças consideráveis na forma em que buscam concretizar tal meta. Dito isso, a melhor forma de entender essa diferença é compreendendo que o Private Equity faz dois tipos de participações:


  • Participações passivas: o fundo compra parte da companhia, porém não se envolve em suas decisões, dependendo completamente dos diretores e executivos da própria firma para que o investimento possa gerar resultado. Grande parte dos fundos enxerga essa abordagem como arriscada, já que o resultado depende do bom uso do capital cedido para as companhias, o que leva muitos deles a seguirem pelo caminho ativo.


  • Participações ativas: consiste na compra de uma participação que seja suficiente para controlar a empresa ou pelo menos fazer parte do conselho administrativo da firma. A partir disso, tenta-se achar e corrigir ineficiências operacionais da companhia, além de buscar formas de se expandir, almejando proporcionar retornos de, em média, 4 vezes o capital investido em períodos de 5 a 10 anos.  


Para que as firmas de Private Equity consigam implementar uma filosofia de  crescimento rápido na empresa, eles se tornam acionistas majoritários dela, com auxílio financeiro de outros fundos e investidores qualificados, que precisam investir, no mínimo, 5 milhões de dólares para se tornarem cotistas desses fundos. Essa característica torna grande parte dos fundos de PE como um fundo de fundos, que se baseia em um deles receber investimento de outros. Após captado, o dinheiro vai para o caixa do fundo, em que fica guardado por um determinado período de tempo até que uma empresa atraente seja localizada para que assim o investimento seja realizado. Para administrar e aplicar esse capital, os gestores possuem uma divisão de “Management Company” (gerenciamento) que é composta por profissionais do ramo financeiro, como analistas, contadores, entre outros. Além disso, outra figura essencial é a do "General Partner" (GP), que é o responsável pela tomada de decisões no fundo - quem decide no que eles realmente vão ou não investir - similar ao papel de um CEO.

O retorno do capital investido


O esteróide é um tipo de substância usada para potencializar os resultados estéticos das pessoas, fazendo com que elas o alcancem em menos tempo, com menos esforço ou obtenham retornos mais expressivos que o esperado inicialmente. Analogamente, visando concretizar os ganhos prometidos, os fundos de Private Equity precisam utilizar “esteroides” em seus investimentos, sendo principalmente aplicados no momento de adquirir e de administrar a empresa alvo. Porém, caso as ações realizadas pelo fundo não sejam eficientes, o “esteróide” continuará atuando, só que desta vez, será contra seus próprios investimentos. 


O principal esteróide usado na aquisição de empresas pelos fundos de PE é chamado de “Leveraged Buyout” ou LBO. Esse conceito é complexo, mas pode ser resumido a uma simples analogia: uma pessoa quer comprar uma casa na forma de um investimento, com o objetivo de colocá-la para alugar. Porém, ela não quer comprá-la com seu dinheiro, já que demandaria uma grande quantia monetária e diminuiria drasticamente seu capital em caixa. Portanto, essa pessoa decide financiar esse imóvel com um banco. Sendo assim, o dinheiro que ela recebe de aluguel serve para pagar as parcelas do financiamento da casa sem que afete seu próprio capital. Após anos fazendo isso, ela quita o financiamento e está livre para vendê-la, um imóvel que custou pouco ou nada do seu dinheiro, retornando um lucro maior sobre o investimento inicial, em comparação com a compra utilizando o capital próprio. No caso, os fundos de PE contraem empréstimos com bancos, para assim efetuar a compra de uma empresa e otimizar suas operações, buscando vendê-la futuramente, pagar a dívida com seus próprios lucros, ou até realizar um IPO². 


Entretanto, quando uma firma de Private Equity contrai esse empréstimo, ele é repassado para a empresa adquirida, que usa seus ativos como colateral³. Dito isso, quando os resultados destoam negativamente, as companhias que arcam com as consequências, tomando medidas urgentes para tentar contornar a dívida, na qual muitas vezes levam essas empresas à falência. Dessa maneira, os LBOs se apresentam como um investimento de alto risco e de potencial impacto social e econômico nas áreas que essa empresa atua.


Assim, o esteróide consumido para potencializar o desenvolvimento de uma empresa, é uma “receita de bolo”, na qual cada fundo de PE tem sua própria. Mesmo com suas diferenças, todos eles recaem sobre um mesmo conceito, a criação de valor para empresa. Isso geralmente é obtido a partir de duas vertentes: como expandir a empresa e como aumentar a eficiência dela.


  1. Como expandir


A expansão das companhias pode ser feita de duas formas: crescimento orgânico ou inorgânico. O crescimento orgânico refere-se ao desenvolvimento da empresa sem a utilização de aquisições e compra de outras para alcançá-lo. Isso pode ser obtido, por exemplo, com um investimento maior no setor de marketing da empresa para expandir as vendas, ou por meio da criação de um produto novo. Além desses fatores, um que chama a atenção é a chamada ”C-list”, uma lista que contém nomes de CEOs, CFOs e CTOs de confiança para engajar nesses projetos, visando aumentar suas chances de sucesso. Por outro lado, o crescimento inorgânico é exatamente o contrário: um desenvolvimento proporcionado pela aquisição ou fusão com outras companhias, no qual tem o objetivo de ampliar a dominância no seu mercado de atuação, aumentar seus ativos, entre outros. Entretanto, o crescimento inorgânico fornece uma considerável carga de risco, já que se trata da compra ou fusão de uma companhia que pode não ter a integração esperada com a sua, além de ocorrerem grandes transações em grandes quantias nesses acordos.


Dito isso, o mercado de Private Equity chama a atenção quando se trata de crescimento inorgânico, pois, no primeiro quarto de 2023, ele estava por trás de aproximadamente 17,4% de todos os M&As do mundo. 



Como aumentar sua eficiência


“Na parte operacional existe a missão crônica de resolver gargalos sucessivos” disse John Lanier, CEO da Middle Market Methods, empresa que presta consultoria para fundos de PE. Sendo adotada como filosofia de gestão para otimização de gastos, a “Lean Production” é retratada como uma solução para essas empresas. Dito isso, elas são submetidas a polêmicas decisões, como por exemplo, a demissão em massa de funcionários que são considerados ineficientes em seus serviços. Outro fator marcante, são os investimentos na busca de novos talentos, no qual é uma forma de aumento da eficiência, já que, teoricamente, tais indivíduos proporcionam um melhor desempenho em relação aos atuais colaboradores.


Mesmo com diversos incentivos financeiros vindo dos fundos de PE, 70% dos gestores de empresas de portfólio alegam que estão focando mais do que o usual em cortar gastos. Para essas firmas, uma abordagem que valoriza o corte de gastos mantendo um investimento considerável nos drivers de crescimento da empresa é a melhor decisão possível.




Hertz: o caso do caos perfeito do Private Equity


A gigante marca de aluguel de automóveis tem uma recente trajetória conturbada, na qual foi uma das maiores empresas de seu mercado em 2018, até declarar falência em 2020, enfrentando desde então, uma rápida recuperação desse período. Trazendo sempre inovações para sua indústria, a Hertz se destacou em diversos quesitos, como na fidelização dos clientes, com a criação de um programa de pontos para os usuários, em que o locatário⁴ recolhe pontos a cada carro alugado que são trocados em prêmios, o pioneirismo no sistema de entrega de carros alugados no local especificado pelo cliente, além da abertura de uma linha de carros elétricos para serem alugados. Entretanto, a companhia apresenta um frágil modelo de negócios, já que, com uma frota estimada de 500.000 carros, grande parte são financiados das concessionárias, e no caso da Hertz, ela se endividou para pagar os próprios carros, usando-os como colateral, ou seja, se ela parar de pagar o empréstimo, sua principal fonte de renda corre risco de desaparecer. Além disso, ela mantém atividades custosas para reter seus clientes, como o local de suas lojas, pois seus principais pontos de vendas variam entre aeroportos e hotéis, além de ter que lidar com a depreciação e manutenção dos automóveis. Nesse sentido, no início da pandemia em 2020, a Hertz chegou a ter um múltiplo de 67,39 de dívida sobre patrimônio, ou seja, a empresa precisaria multiplicar seu patrimônio em 67 vezes para pagar sua dívida, levando ela a declarar falência. Mesmo com esses fatos, concorrentes do setor como a Localiza, mostraram que é possível ser eficiente e obter bons resultados no mercado de aluguel de carros, provando que existiam diversas ineficiências na companhia, nas quais fundos de Private Equity enxergaram uma oportunidade.


Em seu primeiro contato com PE, a Hertz foi vendida da Ford Motor Company para um grande grupo de Private Equity em 2005, pelo valor de US $5,6 bilhões de dólares, mas como se tratava de um Leveraged Buyout a aquisição veio com uma dívida de aproximadamente US $10 bilhões de dólares. Dito isso, com um grande endividamento e um modelo frágil de negócios, a nova administração teria que efetuar grandes mudanças operacionais na companhia, a fim de contornar a dívida. Sendo marcada por diversas contradições, a diretoria da empresa não conseguiu revertê-la, deixando sua saúde financeira ainda pior. Enxergando uma oportunidade, em 2014 o bilionário americano Carl Icahn adquiriu uma participação na empresa por US $2,3 bilhões. Igualmente a seus ex-sócios, Icahn cometeu diversos equívocos em sequência, até que em 2020 a Hertz decretou falência.


O ponto de virada ocorreu em 2021, quando novos investidores - duas firmas de Private Equity - decidiram comprar e assumir a empresa. Com o final da pandemia de Covid-19 e um novo aporte financeiro, a organização se reestruturou, chegando a US $11,5 bilhões em market cap⁵. Visando se reestabelecer como a maior locadora de carros dos Estados Unidos, a companhia está focando em novas tecnologias e na descarbonização da sua frota de veículos, adquirindo mais de 100.000 EVs⁴ como plano de longo prazo.


Visão futura


Após anos de crescimento, o Private Equity mostrou que consegue proporcionar grandes resultados positivos, com uma série de cases de sucesso que evidenciam sua capacidade de impulsionar o crescimento e a eficiência de uma empresa. Entretanto, o sucesso nesse mercado não é garantido, e alinhado com os grandes ganhos em potencial existem diversos riscos. Dito isso, a fama de vilão dessas firmas deriva de práticas que, ao longo do tempo, perderam força nesse mercado, como cortes nos salários, demissão da força de trabalho e elevar os custos de seus produtos. Esses fatores trazem um considerável resultado no curto prazo, aumentando sua arrecadação, porém é deixado de lado a criação de valor a longo prazo para essa empresa.


Transparência, inovação e práticas ESG⁵, são os principais pontos que os fundos de PE vão buscar alcançar nas suas empresas de portfólio. Criar valor a longo prazo baseado nesses critérios fornece uma segurança maior de que o investimento não irá sucumbir com a alavancagem alocada nele e alcançará as expectativas propostas pelo fundo, além de conseguir melhorar a imagem da empresa e consequentemente do fundo que está por trás de suas operações. Nesse sentido, será que o legado do Private Equity já foi manchado ou ainda tem salvação?


GLOSSÁRIO


1- Ilíquidos: refere-se a um tipo de ativo que não pode ser transformado em dinheiro facilmente.


2- IPO: sigla para “Inicial Public Offering” ou “Oferta Pública Inicial” em português, a qual é usada para representar o ato de uma empresa receber novos sócios por uma oferta pública de ações.


3- Colateral: termo utilizado quando um outro ativo é usado como uma forma de garantia, promovendo a mitigação do risco de crédito entre as partes envolvidas na negociação.


4- Locatário: indivíduo que recebe alguma coisa (imóvel, carro, apartamento etc.) de uma outra pessoa, por contrato de locação, de aluguel.


5- Market cap: também chamado de “capitalização de mercado” ou “ valor de mercado", é um indicador econômico utilizado para determinar o valor de uma empresa no mercado. Pode ser mensurado pelo número de ações daquela companhia negociadas na Bolsa de Valores multiplicado pelo valor individual de cada ação.


6- ESG: sigla para “Environmental, Social and Governance”, é um indicador para as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa.


BIBLIOGRAFIA


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