Não mais que alguns meses atrás, eu me encontrava escrevendo um artigo sobre branding. Me agradava escrever sobre o tema e, até hoje, gosto do resultado final. O único problema no que escrevi é que – e só recentemente isto veio à minha atenção – ao mesmo tempo que eu exaltava a importância das marcas se fortalecerem, faço cada vez menos questão, como consumidor, de logos e estampas. Inclusive, já me vi pagando um extra em peças de roupa pela simplicidade da identidade visual não explícita da marca.
Olhando mais a fundo, trata-se de um movimento completo, que abrange desde nossa dependência por redes sociais até o 6º homem mais rico do mundo. Passaremos por tudo isso para entender melhor como, se tudo o que sabemos sobre branding é verdade, essas marcas podem ter sucesso se mal usam a logo?
Sendo assim, começaremos nos situando no plano de fundo no qual tudo isso surgiu: quando o total de coisas que produzimos ultrapassou o total de coisas que realmente precisamos.
Ação e Reação
| Consumismo:
Trata-se da revolução industrial, mas esse foi só o primeiro passo. Máquinas, carvão, petróleo, produção em massa, todos conhecemos a história. A crescente capacidade produtiva e fortalecimento da cultura capitalista de consumo ao longo das décadas nos trouxe a níveis sem precedentes de consumo e de suas consequências: econômicas, sociais e, principalmente, ambientais. Temos desperdiçado como nunca, e nossos oceanos são uma grande ilustração disso: entre tantas outras coisas, abrigam uma ilha de lixo com o triplo do tamanho da França, a Grande Porção de Lixo do Pacífico.
| Movimentos e Reações:
O panorama acima e suas consequências não só são caóticos, mas também, crescentes. No entanto, quase toda grande tendência vem acompanhada de um movimento contrário. É o que acontece na arte:
No século XIX, o movimento realista nasce e cresce rejeitando o Romantismo: cria-se a preocupação em retratar o cotidiano depois de séculos pinturas de cenas bíblicas e retratos do clero. Da mesma forma, o Impressionismo se afasta do Realismo por meio de seu estilo único de cores vibrantes e pinceladas visíveis, e assim em diante. Ou seja, quase todo grande movimento traz outro posterior, reativo ao primeiro.
Sendo assim, estamos procurando qual tem sido a reação ao desperdício em massa e suas consequências. Spoiler: vamos muito além de Vik Muniz.
| A Reação ao Consumo:
De volta ao consumismo, seu movimento contrário se dá de algumas maneiras. Temos desde os mais brandos, como o consumo consciente, até casos como o de Lauren Singer. Ela é uma ativista que guarda todo o lixo que produziu em 4 anos num pote de 500ml, buscando chamar atenção para a importância da sustentabilidade – seu caso é diametralmente oposto, mas não menos extremo que a ilha de plástico do Pacífico.
E, finalmente, em algum lugar entre pequenas mudanças no cotidiano e a vida de Lauren, está o minimalismo, a reação que realmente nos interessa.
A proposta do minimalismo é de uma existência com menos posses, conectividade e complicações, focado em tornar em tornar a vida mais simples e significativa. Eventualmente, esse movimento começou a se expandir e moldar não só como mas também o que seus adeptos consomem. Produtos simples, modernos, quase sempre monocromáticos, mas recheados de design, vêm se tornando cada vez mais populares e já extrapolaram as fronteiras do movimento. Esses, por sua vez, são fortemente influenciados pela arte minimalista da década de 60 e seus braços podem ser notados nos mais diversos ramos, como na moda, com roupas também modernas, simples e monocromáticas, muitas vezes sem nem sequer logomarcas. E voltamos ao meu guarda-roupas.
Tudo bem, roupas sem identificação de marcas têm um pé no minimalismo, que por sua vez faz parte da reação ao consumismo e a tudo o que ele significa. Mas a principal pergunta segue sem resposta: o quão necessária é a exposição visual da logo para o fortalecimento da marca? Para começar a explicar de fato, sugiro uma pequena mudança na pergunta. O mistério não está exatamente no porquê do não uso das logos – podem existir os mais diversos motivos para isso. Está em como algumas marcas usam e comunicam tal característica.
Quando menos for mais, pague mais por menos.
Estima-se que o americano médio tenha contato com dez mil marcas diariamente. Todo aquele crescimento na produção sobre o qual falamos tornou as prateleiras de mercado altamente competitivas, forçando as companhias a se diferenciarem por meio da marca. O surpreendente, porém, é que isso se tornou tão comum que a real diferenciação passou a ser o fato de não se expor a marca.
É o caso da Brandless. A empresa americana, lançada em 2017, tem como proposta oferecer produtos do dia a dia sem o que chamam de “custo da marca”. Eles nomeiam os produtos pelo que de fato são, com embalagens monocromáticas que carregam apenas o essencial. Até agora, a Brandless tem em torno de 300 produtos em seu site, de snacks a artigos de higiene pessoal e – muito mais impressionante – já arrecadou mais de $290mi em investimentos.
A questão é: em meio àquelas 10.000, a marca Brandless se destaca imediatamente por sua proposta de valor e produtos de design singular. Ter “eu não sou como outras” associado à sua marca (ou não-marca) não deixa de ser branding. Vou além: o branding é o próprio raison d’être da empresa, isso é, sem a diferenciação quanto à marca, a Brandless provavelmente seria só mais um vendedor online. É por isso, diferenciação e proposta de valor, que empresas como a Zara conseguem grande reconhecimento, mesmo com roupas que não anunciam onde foram compradas. O mesmo ocorre com lojas menores, com propostas minimalistas, muito apelativas para jovens, principalmente, que querem dizer que não são como outras pessoas e, para isso, vestem marcas que não são como as outras, às vezes pagando mais por isso. O que se paga a mais por causa da marca é denominado brand equity, uma das fundações do branding, o que só mostra como esse é fundamentalmente presente nos casos acima.
Claro que isso tudo não se limita a uma ou outra marca. Já vimos, movimentos costumam ser cumulativos, frequentemente atingindo extremos. A partir do movimento minimalista de redução do consumo e desapego de redes sociais, temos marcas que, focadas em produtos minimalistas, distorceram a proposta inicial. um grande exemplo sendo a Antropologie, loja de decoração que vende galhos de eucalipto por 24 dólares cada, pelo seu aspecto clean e básico. Mas, por mais que a Brandless esteja mais longe do extremo, independente da proposta de valor, seu propósito principal é o lucro, assim como a Antropologie, não se engane.
Podemos extrair alguns insights básicos até aqui. Já percebemos que (i) apesar de uma ilha de plástico gigante flutuar no pacífico, é possível viver sem produzir lixo; (ii) grandes tendências costumam trazer movimentos contrários; (iii) e que nem por um segundo, marcas como a Brandless desafiaram o que sabemos – e escrevemos – sobre branding. Agora, vamos ver algumas outras maneiras que as marcas vêm se aproveitando desse cenário e, em última análise, trataremos do problema óbvio de não ter uma marca estabelecida da maneira tradicional.
A volta dos que não foram.
A Brandless e suas similares não são as únicas a aproveitar as tendências do mundo moderno para se diferenciar e aumentar sua relevância. Um dos análogos mais surpreendentes à Brandless são outdoors. Estamos vendo um surpreendente ressurgimento desses meios de comunicação: nos EUA, por 31 trimestres seguidos, o número de propagandas out of home (OOH) vem crescendo, e os outdoors representam 66% desse mercado. Em meio à avalanche de informações da nova era digital, pôsteres gigantes nas ruas mais movimentadas das metrópoles deixaram de parecer uma ideia tão ultrapassada. A readquirida relevância se deu por dois principais pontos.
O primeiro deles é exatamente o da saturação das propagandas digitais. O que uma vez foi o responsável por sua queda, em um movimento inverso, voltou a tornar os outdoors importantes.
Em segundo lugar, uma modernização de sua natureza. Não só eles renasceram graças às novas tecnologias, como também os donos dos outdoors vêm se utilizando do Big Data e da Inteligência Artificial (AI) para mapear o público das regiões em que estão, otimizar seu alcance e se consolidar no século 21.
Da mesma forma que as marcas-sem-marca, outdoors viram uma oportunidade no excesso de informações do mundo de hoje. Essa é a essência da estratégia da Brandless.
Ainda assim, sua principal força é traduzir o custo evitado com a distribuição, divulgação e promoção da marca em produtos mais baratos. Assim, eles se tornam mais competitivos, apesar da “falta” de marca. Mas, se outras empresas adotam as mesmas práticas quanto a seus produtos e decidem não competir em preço, como usam o que se economiza com os custos de marca? Temos um case de sucesso para isso, a Zara, que prefere investir em sua expansão.
Assim falou Zara
Uma das maiores marcas de roupa do planeta, a marca espanhola ganhou o mundo por meio do pioneirismo no fenômeno do fast-fashion. Sugestivamente, é um movimento similar ao fast-food, só que com roupas. A Zara possui mais de 2.000 lojas em quase 100 países. Seu dono é atualmente o 6º homem mais rico do planeta e nenhum outro grupo de moda é maior que o seu, chamado Inditex. Tudo isso, adivinhe, sem nunca ter enchido suas coleções com a logomarca, apenas com designs simples, modernos e, muitas vezes, minimalistas.
Além disso, a Zara gasta com publicidade apenas 0,3% de sua receita, 11 vezes menos que a média dos seus competidores. Como? Na verdade, sua estratégia de divulgação só é diferente. Com tudo o que economiza, a marca espanhola foca em abrir o máximo de lojas possível, expandindo agressivamente e se estabelecendo nos pontos mais movimentados das cidades onde se instala. É tudo parte da experiência promovida pela marca, de deixar seus produtos – e isso inclui a própria loja – falarem por si mesmos.
Tal como os outdoors, a Zara usou aqueles dois pilares. Se diferenciando a partir da realidade moderna (1), ao se apoiar em um movimento contrário ao consumo. E se utilizando de uma surpreendente cadeia produtiva, possibilitada pela tecnologia (2) – a loja busca se atualizar o mais rápido possível às mudanças da moda, mudando suas vitrines a cada duas semanas. Finalmente, tudo isso permitiu que a empresa se destacasse, tornando o obstáculo inicial de reduzir drasticamente a exposição de sua marca – seja na mídia, nas lojas, ou nos produtos –, em uma vantagem, incorporando isso à experiência de seu cliente. E esse, por sua vez, não precisa ser nenhum conhecedor minimalista para apreciar o design e experiência característicos da Zara.
Associar, dissociar, fortalecer
Seja pela experiência ou custo, minimalismo é uma realidade, e mesmo que a princípio não pareça, estamos diante de uma aula de branding. Ainda assim, não é um caminho tranquilo. Quebrar a associação de anos do consumidor com as marcas tradicionais não é nada fácil. Quem compra os produtos precisa confiar em uma qualidade – geralmente associada à marca – boa o suficiente para tirá-lo de sua zona de conforto, afinal, já está mais que provado que clientes fidelizados não se importam de pagar a mais pelo que confiam e estão acostumados. Como colocado pela Forbes em uma reportagem sobre o crescimento da marca, “a grande ironia é que o protesto da empresa contra as grandes marcas só será bem-sucedido se, no processo, ela conseguir construir efetivamente sua própria marca Brandless”.
As empresas ainda precisam do branding, seja ele como for. Isso também não significa que a Brandless ou a Zara devam mudar o que estão fazendo. Pelo contrário, parece mais justo que isso tenha continuidade. Da mesma forma que se associou com o movimento minimalista, a Brandless pode fazê-lo com outros movimentos, como tem feito também ao disponibilizar produtos orgânicos, vegetarianos, sem glúten, entre outros.
A própria Zara também compreendeu isso, se comprometendo principalmente com o movimento ambientalista. Tanto ela quanto a Inditex vêm tomando amplas medidas de proteção à biodiversidade; redução de consumo de água e energia; e reciclagem de resíduos. E, claro, buscando se dissociar de possíveis imagens negativas ao mesmo tempo. Tudo indica que a empresa vem abraçando mais suas origens minimalistas. No final, tudo se resume a uma marca forte, isso já ficou claro no primeiro artigo. Agora foi a vez de ressaltar como isso se dá: geralmente é sobre ser parte das correntes certas, construindo sua marca a partir daí. Seja surfando a onda ambiental, social, saudável ou minimalista, só não vale naufragar na ilha de plástico.
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