Palco de alguns dos maiores e mais memoráveis shows da história, os festivais são uma parte importante da indústria do entretenimento. Esses eventos contam com uma estrutura complexa de organização e custos exorbitantes, mas que, na ponta do lápis, rendem lucros estratosféricos ao atraírem milhares de pessoas. Este é um mercado que vai além dos artistas e das apresentações: ele envolve toda uma cadeia de negócios que se beneficia dos eventos, tornando os festivais não apenas momentos históricos de celebração da arte, mas também um grande fenômeno que movimenta a economia. Assim, para entender como e por que o modelo atual dos festivais funciona tão bem, precisamos mergulhar na sua história e nas minúcias de toda essa rede que os sustenta.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Graças ao desenvolvimento das tecnologias de gravação e de reprodução de áudio, foi no século XX que a música começou a ser muito mais divulgada. Surge, neste momento, o formato de festivais como conhecemos hoje: diferentes artistas se apresentando para multidões de espectadores.
Os pioneiros desse formato foram os festivais de jazz, como o Newport Jazz Festival, realizado em 1954 nos Estados Unidos, no qual algumas das maiores lendas desse estilo musical – como Ray Charles e Billie Holiday – se apresentaram para um público de aproximadamente 13 mil pessoas. Com o passar dos anos, o jazz cedeu seu lugar ao rock, resultando na criação de novos e maiores festivais. Um deles foi o Festival de Monterey, realizado em 1967 na Califórnia, no qual nomes como Janis Joplin, The Who e Jimi Hendrix tocaram para uma plateia estimada de 90 mil pessoas. Já em 1969, foi realizado o festival de Woodstock, evento que reuniu mais de 500 mil pessoas - um número que, em vias comparativas, seria equivalente a mais do que 6 Maracanãs lotados.
Mas foi só na década de 80 que os festivais mais famosos que conhecemos, e frequentamos até hoje, foram criados. Começando com o Rock in Rio, em 1985, que foi seguido pelo Lollapalooza, em 1997, o Coachella, em 1999, e a Tomorrowland, em 2005, esses novos festivais queriam atrair mais público, mais receita e, consequentemente, mais lucro. Para isso, optaram por uma forte estratégia de diversificação: as line-ups passaram a incluir os mais variados estilos, como pop, rap, heavy metal e eletrônica. Essa estratégia refletiu de forma bastante positiva na venda de ingressos e na audiência desses eventos que, desde aquela época até as edições mais recentes, continuam atraindo cada vez mais pessoas para aproveitarem os shows de seus artistas favoritos.
Mas, afinal de contas, o que exatamente esses números indicam? O que faz com que esses festivais sejam tão importantes assim?
ENTENDENDO OS NÚMEROS
Não é segredo que os festivais de música marcaram gerações de fãs e artistas. No entanto, eles vão além de uma boa oportunidade de entretenimento: esses eventos representam, também, um ótimo negócio em termos de lucratividade e de estímulo à economia.
A fim de se entender melhor o mercado em questão, tomemos como exemplo a última edição do Rock in Rio, realizada entre setembro e outubro de 2019, na cidade do Rio de Janeiro. Ao reunir um público de mais de 700 mil pessoas ao longo dos 7 dias de festival, a festa conseguiu movimentar cerca de 1,7 bilhões de reais, de acordo com The Rio Times. Além disso, o festival empregou 25 mil pessoas, entre voluntários, colaboradores fixos e temporários, que se responsabilizaram pelo funcionamento do evento, visando proporcionar aos espectadores a melhor experiência possível além de, claro, render muito dinheiro.
Uma parcela importante dessa quantia gerada vem da venda de ingressos. Na pré-venda, os chamados Rock in Rio Cards foram vendidos por 495 reais a entrada inteira, totalizando 198 mil ingressos. Já na venda oficial, esse valor subiu para 525 reais, sendo vendidos mais 700 mil. Desses 898 mil ingressos, não se sabe ao certo quantas inteiras e quantas meias entradas foram vendidas, mas se assumirmos que essa divisão foi igual (50% para cada tipo), a arrecadação com os ingressos é de quase 350 milhões de reais.
Toda essa arrecadação do festival, no entanto, não se restringe apenas ao número de ingressos vendidos. Existem os espectadores remotos, que assistem às transmissões ao vivo dos shows. O Multishow, principal parceiro de mídia do Rock in Rio, movimenta dinheiro ao vender suas cotas de transmissão para outras empresas que se interessem em apoiar ou realizar a cobertura. E, além disso, há várias marcas que procuram patrocinar e apoiar o evento em si, para que possam expôr e vender seus produtos e serviços no espaço do festival.
Os maiores exemplos desses patrocinadores são as redes de comida e de bebida, como o Bob’s, que investiu cerca de 12 milhões de reais para o marketing e para as vendas na festa, e a Heineken, que destinou 25% do seu investimento de marketing para ter exclusividade de vendas no evento. Foram mais de 1,5 milhões de copos de cerveja vendidos, gerando uma receita de quase 20 milhões de reais. Além da venda de produtos, existem diferentes espaços voltados para marcas que querem fortalecer o seu branding e entreter o público, como o Itaú, que oferecia no seu espaço copos colecionáveis contendo prêmios, e a Coca-Cola, que montou um palco próprio, convidando artistas para cantar enquanto os shows principais não começavam.
Outro ponto importante de se destacar é o crescimento do turismo na cidade. Cerca de 60% do público do Rock in Rio vem de outros estados e até mesmo de outros países. A estimativa é que o festival tenha atraído cerca de 450 mil turistas. Com isso, a ocupação hoteleira do Rio de Janeiro chegou aos 78% no primeiro fim de semana do evento e subiu para 84% no segundo (números consideráveis quando comparados aos meses anteriores, em que a faixa de ocupação ficava na casa dos 60%), gerando uma receita estimada de 74 milhões de reais para os hotéis e representando uma arrecadação de 3,7 milhões em Imposto Sobre Serviços (ISS) para os cofres municipais.
Outro setor que também se beneficia da festa, principalmente pelo aumento da circulação de pessoas, é o transporte. A operação do metrô registrou cerca de 376 mil passageiros durante o festival, enquanto o BRT obteve uma média de 45 mil passageiros por dia, totalizando 315 mil no fim do festival. Considerando o preço das passagens, esses dois números sozinhos já somam um total de quase 2,9 milhões de reais para a Prefeitura do Rio. Além disso, estima-se que quase metade dos 210 mil passageiros que chegaram na Rodoviária do Rio de Janeiro durante os 7 dias de Rock in Rio vieram para ver os shows, e que o Aeroporto Santos Dumont recebeu cerca de 345 mil passageiros, 45 mil a mais do que na última edição do festival. A Uber chegou a bater recorde: transportou cerca de 150 mil passageiros no período do evento. Isso sem mencionar também a Primeira Classe, transporte fretado pelo próprio festival a um preço de 100 reais (ida e volta inclusas), que levou mais de 145 mil pessoas, chegando a quase 15 milhões de reais em receita.
Mas o Rock in Rio é apenas um exemplo. Adotando métodos parecidos, outros festivais como o Lollapalooza e o Coachella, alcançaram receitas consideráveis:
Dessa forma, é visível o quanto esses eventos podem contribuir para a economia local. Entretanto, para que a festa seja um sucesso, existem outros aspectos além dos números para os quais deve-se dar atenção especial.
VALORES INTANGÍVEIS
Para que festivais do porte que vemos hoje aconteçam, o foco não pode ser apenas montar uma line-up que chame a atenção do público e renda muitos ingressos vendidos; afinal, no fim do dia, o que menos fica na memória das pessoas são as apresentações. Com o crescimento recente dos serviços de streaming e a facilidade de se conseguir ouvir música gratuitamente, pode-se pensar que, talvez, o mercado do festivais ficasse ameaçado se focasse apenas nos shows. Entretanto, a verdadeira força da festa está na vivência de ir ao festival e de testemunhar tudo com os próprios olhos. Chamar os cantores e bandas certos não é o problema; difícil mesmo é oferecer todas as outras atividades e serviços que tornam o dia tão inesquecível.
É justamente esse o desafio da grande rede que sustenta os festivais: oferecer ao público a melhor experiência possível, atrelando boas memórias às suas marcas. Um estudo divulgado pela Havas Sports & Entertainment aponta que 65% dos frequentadores de festivais de música acreditam que as marcas patrocinadoras melhoram a experiência durante o evento, e 36% afirmaram estar mais propensos a comprar produtos dessas marcas depois de ter contato com elas no festival. Assim, a cada ano, os patrocinadores e organizadores dos festivais precisam se reinventar para oferecer novidades que encantem e, mais importante, fidelizem o público, estimulando-o a voltar nas próximas edições.
Ademais, um outro aspecto que, apesar de não gerar renda de forma direta, contribui para o sucesso dos festivais, é o impacto que eles devem causar. Esses eventos precisam mostrar uma preocupação em expressar apoio a causas sociais, por exemplo. Isso não é apenas uma forma de tentar contribuir para o bem comum, mas também de criar uma boa reputação, diante de uma geração que cobra muito das grandes marcas uma posição sobre essas questões. Por isso, é comum que esses eventos dêem espaço dentro da festa para que ONG’s apresentem os seus trabalhos, além de fazerem doações para ações ambientais, por exemplo. Ações como essas agregam valor ao branding do próprio festival, resultando em uma popularidade maior.
“EU VEJO A VIDA MELHOR NO FUTURO”
Já não se pode imaginar o futuro do entretenimento musical sem ao menos citar seus festivais de música. Assim, para se ter uma noção melhor do que ainda está por vir nesse mercado, é interessante analisar 2 grandes tendências. A primeira delas está relacionada com a importância das redes sociais, que tem se mostrado um canal importante de comunicação entre os frequentadores dos festivais. Ao interagirem entre si, eles constroem uma rede de compartilhamento de experiências que dá muita visibilidade à festa, algo que também reflete na sua arrecadação. Uma pesquisa da Eventbrite mostrou que cada compartilhamento de um festival no Twitter vale cerca de 2 dólares em futuras vendas de ingresso. No Facebook, esse valor aumenta para 4 dólares. Dessa forma, as redes sociais vem se mostrando um grande driver desse mercado.
Além disso, a tecnologia pode ser uma boa aliada desses eventos, com a Identificação por Frequência de Rádio (RFID), por exemplo, já sendo utilizada por alguns deles. Usando braceletes como ingressos e smart cards pré-pagos para facilitar a locomoção e vendas no festival, não há necessidade de se usar dinheiro físico dentro da festa. Estima-se que um visitante se dispõe a consumir 40% a mais do que o normal se ele não precisa pegar dinheiro toda vez que for comprar algo. Além disso, é possível aproveitar essa tecnologia para elevar a experiência: na Tomorrowland, as compras são feitas usando as chamadas “pérolas”, moeda criada pelo próprio festival, que, convertendo, corresponde a quase 6 reais.
Ao que tudo indica, ainda ouviremos falar muito desse nicho da indústria da música. A expectativa é que ele continue crescendo, tanto em termos de tamanho de público, de espaço e de audiência quanto de lucro. A popularidade dos festivais, principalmente entre o público jovem, é um sinal de que esse é um negócio promissor e que pode reservar bons resultados para aqueles que resolvam se aventurar nele. Afinal de contas, as dificuldades e os acontecimentos recentes que, no momento, assombram o resto do mundo, são passageiros. Uma coisa, entretanto, é imutável: a necessidade das pessoas por diversão. Até porque, em tempos de crise, o show pode – e deve – continuar.
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